por Gennaro Moretti
Não bastasse convivermos com mazelas seculares como a fome no mundo, as guerras movidas pelo fanatismo, os atentados, as chacinas, os enfrentamentos de facções criminosas, assaltos, sequestros, drogas, trapaças, cobiça, intolerância – violência que vitimiza cidadãos diariamente – vemos agora a espetacularização midiática de um sistema político deteriorado, em um enredo infindável de personagens obscuros e contornos farsescos.
Jamais assistimos a tantas aulas de jurisprudência como hoje: lições que versam sobre impeachment, conduções coercitivas, prisões temporárias e preventivas, habeas corpus, acordos de leniência, delações… Estamos nos tornando mestres e doutores em matéria jurídica, em face de tantos escândalos de cunho penal, que transformaram em regra o que antes era exceção. Não que tais negociatas não existissem no passado, bem sabemos que a corrupção é tão antiga quanto a vida em sociedade. Mas a era da informação – para o bem e para o mal – tem contribuído para converter velhos males, a que estávamos alheios, em chagas abertas, em fraturas expostas a que não podemos nos furtar.
E se por um lado isso fortalece e legitima a democracia, até que ponto estamos cientes do quanto a degradação corrói a nossa saúde emocional, nosso senso de civismo e de pertencimento? Sofremos frustrações e mortificações frequentes ao vermos que o bom senso, a integridade e o respeito ao próximo (e à coisa pública) são valores cada vez mais voláteis e prescindíveis, numa cultura de “balcão de negócios”, perpetrada por uma minoria, mas que afeta a vida de milhões. São consequências que abalam as estruturas do país e desagregam o tecido social, asfixiando, notícia após notícia, a estima que nos resta.
Delações irrompem a todo momento. Não há qualquer dilema moral nessas ações delatórias, pois são apenas mais uma commodity na mão de agentes que ora barganham com o governo, ora com a justiça. Nada, portanto, que fuja à sua natureza corruptível: é só uma nova manobra oportunista, num tabuleiro de interesses pessoais que, muito embora lance luz sobre os descaminhos da classe governante e de certos setores empresariais, também põe em xeque qualquer tentativa de estancar a atual sangria econômica, fato que aflige toda uma nação.
A esse cenário de desolação, somem-se os discursos demagógicos que nos aviltam a inteligência, tamanho é o cinismo das promessas populistas, pelas quais já pagamos um alto preço. Políticos e seus marqueteiros, sempre a tramar novas fórmulas para vender um peixe que exala mau cheiro pelos jornais, revistas, televisão, tablets, smartfones… todo e qualquer meio físico por onde nos cheguem suas promessas duvidosas.
Data venia, a despeito da pauta política, são muitos os exemplos de dignidade e probidade entre os brasileiros. Enquanto o círculo vicioso de malfeitos nos ofusca os sentidos, há milagres cotidianos que passam despercebidos, soterrados pela avalanche de mesquinhez e descalabros.
Há cerca de três décadas, no modesto bairro do Rio Doce, em Olinda, o catador de recicláveis Sebastião Pereira Duque, um senhor de 62 anos que tira o seu sustento do lixo dos manguezais, achou que poderia fazer mais pela comunidade onde vive. Assim surgiu “Nova Esperança“, a pequena escola fundada por ele, que não integra a rede pública, nem figura dentre instituições particulares de ensino, mas é nota dez em matéria de solidariedade.
Para garantir o ingresso dos filhos na escola comunitária, os pais das crianças – entre dois e seis anos de idade – contribuem com uma mensalidade simbólica de R$ 25,00, destinados a custos de manutenção e ao pagamento de três professoras. Quando não podem pagar, trazem um fardo de materiais recicláveis, que então são vendidos e convertidos em fundos. A escola também recebe doações de terceiros e conta com uma biblioteca, aulas de judô e de capoeira.
Órfão aos quatro anos de idade, “Bastião” chegou a ser alfabetizado, mas nunca frequentou uma sala de aula com a regularidade necessária. Até os 17, trabalhou na roça e ajudou a criar animais na casa de parentes, no interior da Paraíba. “Cresci sem pai e sem mãe. Quero ser para essas crianças o pai que não tive. O carinho delas é o melhor pagamento” – declarou ao Diário de Pernambuco.
Mas a generosidade desse pai de sete filhos (oito netos e três bisnetos) não para por aí. Quando não está catando lixo nos manguezais da região, o catador constrói barracos para famílias carentes, com produtos recicláveis e materiais de construção que ele próprio angaria. Nos últimos dois anos, já logrou erguer oito barracos, sendo um de tijolos e sete de madeira, na Vila Nossa Senhora Aparecida. Fosse pouco, também confecciona muletas e cadeiras de roda para portadores de necessidades especiais, que vivem no entorno.
“A honestidade é a maior riqueza. Se a gente ganha para dar, a gente ganha para dar. Quando a gente tem honestidade, o povo confia. Se o povo confia, é em cima da honestidade”– disse ele, ao Jornal Nacional.
Se a judicialização está na ordem do dia, nada mais justo que dar ganho de causa ao Sr. Sebastião. E caso encerrado.
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