por Gennaro Moretti
Entender as atitudes da raça humana sempre foi um grande desafio.
Na “era da informação”, são tantas e tão disponíveis as lições sobre civismo, fraternidade, solidariedade e respeito e, no entanto, é incompreensível o distanciamento da prática dos preceitos mais simples, para o bem da vida em sociedade.
Nos dias de hoje, tudo se dá em ritmo de progressão geométrica, tanto para o bem, quanto para o mal. Assistimos atônitos às piores violações contra a saúde física e mental das pessoas, causadas, inclusive, por polêmicas religiosas, independentemente do credo. Ao invés de prover conforto, práticas religiosas, quando desvirtuadas pelo fanatismo, acabam por provocar confrontos de consequências devastadoras.
Como é possível conviver com tantos atentados contra as pessoas, os animais, o planeta, a natureza… Atentados contra a própria vida? Cobiça, inveja, intolerância e outros sentimentos desprezíveis alimentam essa corrente maligna. Barbárie, à época dos bárbaros, era condenável, mas compreensível. Nada justifica, porém, que ainda nos comportemos como bárbaros em pleno século XXI.
Em meio a tantas atrocidades noticiadas cotidianamente, esquecemo-nos de que o paraíso é aqui. Perdemos o senso de valor pelo milagre da vida, por conta de uma minoria de psicopatas, capaz de transformá-la em um verdadeiro inferno. Enquanto isso, a maioria vitimada por esse punhado de desajustados, que ocupam posições de poder, vive à margem de uma existência fértil, privada dos valores mais elementares e exposta ao avesso de tudo o que seria desejável para uma digna construção da sua cidadania.
Disto resulta um submundo que se degenera progressivamente e age de modo irracional até que, afetado pela fadiga dos próprios vícios, torna-se irrecuperável.
É nesta enorme parcela marginalizada que devemos investir nossos esforços, desde a sua mais tenra idade, para que o futuro seja promissor para ela, prioritariamente. Só então criam-se as condições necessárias para uma sociedade mais justa para todos.
Um futuro melhor e inclusivo depende, acima de tudo, de acesso igualitário à educação (dentre outros tantos direitos fundamentais), sem bases seletivas, politizadas ou tendenciosas. Algo que tenha como célula-mãe o respeito à vida e à dignidade de todos – RESPEITO e DIGNIDADE são, afinal, pilares valorosos para uma convivência mais saudável e frutífera.
Sabemos que existe uma infinita dose latente de solidariedade e de amor entre os seres humanos – basta ver a sua resposta espontânea em face de calamidades ou de quaisquer outros acontecimentos que demandem atos fraternos. Isto demonstra o poder do efeito cascata e a força transformadora da união.
Mais do que nunca, em um mundo tão imerso em atritos e agressividade, é preciso educar a sociedade para amar o próximo. É preciso mobilizá-la para a aceitação das diferenças, ao invés de insuflá-la aos atos de ódio.
Quantos exemplos positivos há? Manifestações políticas como as “Diretas Já”, humanitárias como o “Criança Esperança”, ou mesmo a empatia que move grandes contingentes de pessoas à caridade quando há catástrofes como enchentes, terremotos, guerras ou atentados. Sensibiliza-nos saber que quem sofre é “gente como a gente”. Colocar-se no lugar do outro e se solidarizar, sem interesse ou preconceitos, é o que de fato mantém a chama da fraternidade acesa em cada um de nós.
A catalisação do bem é tanto mais efetiva quanto maior o número de pessoas engajadas nesse movimento. Moral da história: se deixarmos uma minoria perversa traçar os destinos da humanidade, o resultado será cada vez pior.
Em termos políticos, compare-se uma autêntica democracia, esta rica base de referências, preferências e coexistência de distintos modos de vida, com qualquer ditadura, regime em que impera o interesse de um tirano sobre o bem comum, ao custo da supressão das liberdades individuais. Ainda que estejamos longe de um modelo democrático perfeito, como é possível que, nos dias de hoje, haja quem defenda um ditador?
Onde domina o medo, a sociedade se esfacela sob o arbitrário princípio do divide et impera (“dividir para conquistar”). Presente em “A Arte da Guerra”– de Sun Tzu a Maquiavel – e perpetrado por soberanos vorazes há mais de dois mil e quinhentos anos, tal postulado defende que um líder estrategista deve fragmentar os vários poderes constituídos ao seu redor, ou mesmo grupos potencialmente perigosos ao seu governo, jogando uns contra os outros, para tornar-se onipotente.
É tempo de combatermos tais ímpetos corruptores, advindos do poder. Tempo de estendermos a mão, tempo de união, de estabelecermos um regime de recorrência virtuosa, com base no equilíbrio e no rechaço dos extremos: nem capitalismo selvagem, nem socialismo utópico. Quem sabe um novo regime de governo deva ser arquitetado?
Chegou a hora das mulheres? Sabemos do seu potencial em dosar o poder das tentações com aquele do amor; os homens parecem ter esgotado os seus melhores recursos para tal.
Dias atrás, assistimos ao reconhecimento de uma verdade, quase esquecida pelos representantes de vários poderes, mas bem lembrada pela Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha: antes mesmo de dirigir seus cumprimentos ao Presidente da República, ato protocolar ao assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal, esta brava mulher deu o exemplo do que pode haver de melhor em nossas esferas de poder, exaltando, em primeiro lugar, “Sua Excelência, o Povo”. A continuidade do discurso foi uma “bárbara” (no melhor sentido) demonstração de lucidez, da qual tomo a liberdade de reproduzir um breve trecho:
“[…] Cada povo tem o seu ideal do justo e o que todos os povos, de todos os tempos, têm em comum, é a inaceitação do injusto. Nosso tempo exige maior cuidado. Prudência para saber ouvir e entender, e coragem para enfrentar o que precisa ser mudado, o que precisa ser respeitado, a despeito de interesses superados ou desconexos com as demandas sociais legítimas e que teimam em perdurar”.
À nova Presidente do STF, por sua trajetória de integridade e pelas louváveis palavras, expresso minha mais profunda reverência.
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Caríssimo,
A leitura (e re-leitura) atenta do seu ‘desabafo’ (palavra sua) me levou a apreciar mais ainda (caso possível) a sua capacidade de análise do mundo que nos rodeia. Neste caso, a abrangência ultrapassa a esfera empresarial, técnica e especialistica (já conhecida e apreciada por mim ao longo de décadas de colaboração) e se alarga à exposição de conceitos universais, a valores negligenciados nesta época de individualismo desenfreado, de egoismos planetários, de império das finanças mundiais e sufocamento das atividades produtivas e tais.
Bem, caro amigo, esses aspectos do seu pensamento que pertencem à esfera política (embora a palavra esteja desgastada e quase inutilizável pelos abusos a que foi submetida) me chega novo e muito grato. Não que a sua vida pregressa e a retidão de seus comportamentos, no trabalho e fora dele, não deixassem adivinhar a nobreza das suas opiniões num âmbito socialmente mais relevante; mas talvez pelo fato que as trocas de opiniões que tivemos nesses 50 anos (essa é a medida temporal da nossa convivência) raras vezes se afastaram do ambiente familiar e de trabalho.
Este seu amigo, fortemente politizado desde a sua adolescência e imbuído de valores humanísticos, poderia subscrever integralmente a sua breve análise, não só no conteúdo mas até na forma, clara e isenta de retórica (e não achei nem um errinho sequer de português, cazzo!).
Mas, para não dizer que concordo com tudo, abro uma polêmica sobre o acento crítico ao Maquiavel, que se depreende num parágrafo do seu escrito.
De fato, os mal-entendidos sobre o pensamento deste grande e genial historiador e homem político da Renascença são muito comuns; e você também acabou caindo nesta cilada.
Como, contudo, esta discordância é de caráter mais cultural/interpretativo e não afeta a concordância plena sobre os tópicos principais do seu escrito, deixo o debate sobre o Maquiavel para outra ocasião.
Um grande abraço.
meu caro BAFFONE
novamente agradeço o privilegio das suas ponderações (fraternas…) .
O mérito da ausência de erros deve ser creditado à minha “revisora” ALESSANDRA( ainda careço de algumas aulas de portugués ).
O GIULIANO é o meu editor pelas suas habilidades em lidar no meio virtual, entre outros. Não sei se vc lembra, escreveu um livro aos vinte anos ; sem adentrar ao mérito …foi um bom começo.
Voltando ao meu artigo, estou ansioso pela aula sobre MAQUIAVEL. Nesta área confesso minha ignorancia e não chego aos seus pés.
Bacioni,grazie,
Gennaro